O Retrato – Cecília Meireles

    Momento de comemoração nas últimas horas do Dia do Escritor. Apesar do pouco reconhecimento desse ofício per se no Brasil, agradeço, profundamente, aos que se dedicam a criar mundos ficcionais. A despeito de eventuais juízos de valor de uma ou outra obra literária, aplaudo, de pé, a quem reinventa a realidade ao despertar novas sensibilidades, sem (ou com) medo de apagar/refazer um texto, expor-se a críticas, pausar uma criação (ou abandoná-la se preciso).

 

     Gosto de me esconder, principalmente, na leitura (textos literários ou não). Em homenagem aos que se dedicam à escrita, atividade que me permite fugir do mundo e interpretá-lo, segue o meu poema favorito de uma escritora brasileira:

 

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
-Em que espelho ficou perdida minha face?

 

 

    E ao citar Cecília Meireles, gostaria de agradecer especialmente às poetisas que aqui leio todos os dias e admiro: G., Fernanda Leal, e Cristileine Leão.

Esboço de tradução #3 – Na Torre | Am Turme – Annette von Droste-Hülshoff

Na Torre

(…) Se eu fosse um caçador em campos inexplorados;
um pedaço de soldado que fosse,
Se ao menos eu fosse homem,
então o céu seria o meu conselheiro;
Mas enquanto devo me sentar de maneira tão fina e educada,
como uma criança comportada,
posso apenas soltar os meus cabelos em segredo
e deixá-los flutuar ao  vento!

 

Excerto de  Am Turme:

(...) Wär' ich ein Jäger auf freier Flur,
Ein Stück nur von einem Soldaten,
Wär' ich ein Mann doch mindestens nur,
So würde der Himmel mir raten;
Nun muß ich sitzen so fein und klar,
Gleich einem artigen Kinde,
Und darf nur heimlich lösen mein Haar
Und lassen es flattern im Winde!



In: https://www.droste-portal.lwl.org/droste-download/texte/Web-Text-Am-Turme-Swan-LV.pdf .

 

 

** Annette von Droste-Hülshoff (1797-1848): Alemanha. Marco literário na transição entre o Romantismo e o Realismo germânico. De família nobre, correspondia-se frequentemente com os Irmãos Grimm e demais intelectuais de sua época, apesar de viver isolada. Devido ao reconhecimento de sua obra poética em vida, após a morte de seu pai, comprou e administrou sozinha um castelo, o qual leva o sobrenome da poetisa.

Esboço de tradução #1 – Schatten Rosen Schatten – Ingeborg Bachmann

Sob um céu estranho
Sombrias rosas
Sombras.
Sobre uma terra estranha
entre rosas e sombras
em uma água estranha
minha sombra.

 

Texto Original:

Schatten Rosen Schatten
Unter einem fremden Himmel
Schatten Rosen
Schatten
auf einer fremden Erde
zwischen Rosen und Schatten
in einem fremden Wasser
mein Schatten. 

In: BACHMANN, Ingeborg. Gedichte, Erzählungen, Hörspiel, Essays. Ed/Verlag: Piper (München), 1964, p.50.

 

* Ingeborg Bachmann (1926 – 1973): Austríaca. Formada em Filosofia e Direito, destacou-se na poesia, tradução e dramaturgia. Enfatiza temas como o absurdo diante da existência no pós-guerra; a melancolia; a solidão; a inefabilidade da linguagem perante limites pessoais. Pouco traduzida em língua portuguesa [este post é uma tentativa de mudança].